ABERTO

Casa-Ateliê Tomie Ohtake

Entrada e Sala de Estar

Na casa de Tomie Ohtake, projetada para a artista em três etapas por seu filho Ruy, estão aproximadamente 60 obras contemporâneas – muitas especialmente encomendadas para a terceira edição da ABERTO – que homenageiam a antiga ocupante da casa. Espalhadas pelos cômodos e pelo jardim, essas obras absorvem sua personalidade, brincam com sua biografia e refletem sobre seu interesse duradouro pela forma gestual.

Logo na entrada, vemos Tomie retratada em pintura por Maria Klabin, seu rosto de perfil, cabeça inclinada em estudo sério, como se estivesse em sua mesa de pintura. O retrato, no entanto, desaparece como uma nuvem de fumaça no espaço branco que circunda a artista. Uma sensação de leveza etérea é encontrada em uma série de pinturas – paisagens em um dourado hipnotizante – de Sandra Cinto que, assim como Ohtake, fez da cosmologia e dos elementos sua temática constante. A série de Cinto continua por toda a casa, como uma pontuação para a exposição e uma gramática para a curadoria.

Movendo-se suavemente no hall de entrada está outro retrato da falecida artista, Móbile Tomie (2024), desta vez por Laercio Redondo, um sistema solar construído com frutas secas, nozes, ímãs e bolas penduradas em arame, que captam as cores e formas encontradas nas próprias esculturas de Ohtake. A lua cheia – círculos tanto perfeitos quanto imperfeitos – é um motivo recorrente no trabalho de Tomie e Ruy. Eles começam a aparecer nas pinturas de Tomie a partir dos anos 1960, quando ela abraça a abstração gestual após experimentos iniciais na figuração; Ruy tomou nota e a janela redonda é uma característica de alguns de seus edifícios mais icônicos, além de ser um elemento arquitetônico presente na Casa Ohtake. No corredor e na sala de estar da antiga casa, Alexandre da Cunha instalou obras da série Ikebanas, objetos cotidianos cuidadosamente selecionados e dispostos esculturalmente em um ‘vaso’ de bloco de concreto. Uma peneira se ergue da base no primeiro, uma esfera de cobre no segundo, um tampo de banco no terceiro; essas formas circulares se refletem em uma paisagem nevada figurativa, delicadamente detalhada, intitulada Wait and See (2024) por Fran Chang; e em Moonlight on the Sertão (2023) de Bruno Dunley, uma das três pequenas telas do artista que mostram sertões abstratos. A alusão à lua também pode ser detectada nas paisagens elípticas das pinturas sem título de Paulo Monteiro, feitas em cores primárias; o mundo natural informa as formas amorfas dançantes de uma grande tela de Luisa Matsushita e das duas esculturas em cerâmica, madeira e aço de Arlene Shechet, uma ostentando o verde, amarelo e azul da bandeira do Brasil, a segunda um laranja chocante.

Na chaminé no centro da sala, nas dimensões exatas das janelas redondas da casa, está pendurada uma tela circular de Cinto; sua paisagem mágica é recordada nas árvores, samambaias e cactos que Solange Pessoa retrata em sua série de pinturas Frugívoros (2020–21), a paleta suave derivada do uso de carvão e jenipapo como materiais; e as formas orgânicas inerentes a dois relevos de cimento pintados em preto e branco de Marina Hachem. Pairando sobre toda essa folhagem está a dramática fotografia Nebulosa I (2009/2023) de Lenora de Barros, uma paisagem noturna de nuvens em preto e branco.

Daniel Senise pintou a própria casa, o edifício de concreto retratado em cinza suave, a superfície manchada como se estivesse desgastada pelos elementos. As formas ondulantes das esculturas públicas de Ohtake se destacavam precisamente porque muitas vezes tinham o urbanismo brutal da cidade como pano de fundo: da mesma forma, as bordas arredondadas e curvas das obras acima contrastam tanto com a arquitetura de concreto cinza em si quanto com a geometria afiada de Sem título (Casa Ohtake) (2024) de Fabio Miguez, uma grande pintura a óleo e cera sobre tela na qual os planos arquitetônicos da casa são abstraídos, e com 1.2020 (2020) de Manfredo de Souzanetto, uma disposição de telas monocromáticas em branco e cinza e chassis aparente em uma parede vizinha. O díptico Lances complementares (2024) de Marcius Galan, um grid de borrachas brancas e cubos pretos de carvão, e uma série de pequenas pinturas abstratas suavemente geométricas de Paulo Pasta completam este encontro da curva natural com a linha arquitetônica acentuada.


Sala dos Fundos e Quarto

Apesar de sua elegância, a obra de Tomie Ohtake nunca esteve desligada do mundo, mas sempre envolvida com a complexidade da vida, especialmente nas esculturas públicas em que trabalhou nos últimos anos. A série de esculturas de chão sem título de Mario Garcia Torres é o resultado de um processo de fabricação no qual o artista mexicano amassou aleatoriamente caixas de papelão, que foram então submersas em areia de moldagem e posteriormente queimadas durante o processo de fundição. Esse processo simultaneamente fixa a forma em bronze enquanto aniquila o material original. Da mesma forma, elevando o detrito da rua – embora recusando tal hierarquia entre arte e vida, ou entre as diferentes experiências vividas – está o grid de caixas de fósforos azuis de Antonio Tarsis, a marca mais barata, com as quais o artista nascido em Salvador trabalha desde que as observou nas ruas onde vivem grandes populações de pessoas sem-teto. A colagem de lona laranja, preta e verde de Allan Weber é igualmente política, uma obra retirada de sua série em andamento Dia de Baile, cartas de amor às festas de funk da periferia urbana, enquanto na obra sem título de Carolina Cordeiro, feita com assadeiras de alumínio, as linhas de várias quadras esportivas, de tênis a futebol, são delineadas na superfície com farinha e óleo.

As obras de Torkwase Dyson tratam da política do espaço. Liveness and Distance (2022) e Scalar #2 (Blue Belonging) (2022), ambas em acrílico escuro e madeira pintada sobre tela, incorporam a filosofia que a artista designa como Black Compositional Thought, segundo a qual ela considera como os corpos negros se deparam com a geografia e o espaço urbano. O visitante é então chamado para o antigo quarto de Tomie pelo toque de um telefone celular. No pequeno espaço – os quartos da casa foram projetados em proporções monásticas por Ruy para incentivar a sociabilidade – o som vem de Brasília (2024), um novo curta-metragem de Luiz Roque. O telefone está sobre a mesa de cabeceira e quem está ligando é o próprio Ruy, enquanto a câmera se afasta para revelar de forma comovente o interior de um quarto no Royal Tulip Brasília, projetado pelo arquiteto em 2002. Pela janela, o plano diretor da capital do país, elaborado por seu colega Oscar Niemeyer, se estende, enquanto o trabalho de Roque levanta questões sobre presença e autoria em meio ao anonimato da cidade.


Cozinha e Jardim

Ana Prata guia o visitante da sala de estar para a sala de jantar com sua pintura Mesa baixa (2024), onde a mesa está coberta com uma alegre toalha de mesa xadrez laranja e branca e preparada para o café da manhã. Logo após a passagem para a sala de jantar, prontas para serem devoradas, estão as naturezas-mortas elegantes de Felipe Suzuki: um limão, pêssegos, um vaso, uma flor. Perto dali, há uma série de obras em cerâmica de parede de Tatiana Chalhoub, duas delas concebidas como homenagens à Tomie, com uma sensação orgânica semelhante. No entanto, a refeição toma um tom mais sombrio quando considerada junto com o restante das obras na sala. Eduardo Berliner também volta suas pinceladas para a comida, mas o peixe na pintura Olho de cão (2024) tem uma qualidade monstruosa, com a tinta vermelha escorrendo levemente pela boca. Da mesma forma, nas pinturas Persimmon [Caqui] (2024) e Grapes [Uvas] (2024), cenas que lembram memento mori clássicos, ambas as frutas estão começando a estragar, prestes a apodrecer. Sua Apple [Maçã] (2023) foi consumida até o miolo, e em Egg Shell [Casca de ovo] (2022), os restos quebrados foram abandonados. Essa ruptura encontra afinidade em duas pinturas Mimbres de 2015 de Adriana Varejão, nas quais as telas monocromáticas explodem com fissuras na superfície da tinta, e em uma escultura de seu colega da Geração 80, Barrão. Em Segundo ato (2024), ele reagrupou uma pilha de porcelanas azuis e brancas quebradas com resina epóxi, mas não há nada de trágico na quebra dos objetos originais por Barrão. O artista deu nova vida à louça, encontrada em mercados de rua, salvando cada prato e xícara do pior destino da obsolescência.

No jardim, uma escultura permanente de Tomie, uma elegante onda sobre a piscina, é observada por duas obras totêmicas de Erika Verzutti, recém-instaladas para a ABERTO. Assim como Barrão, Verzutti libertou os motivos da cozinha de sua vida de serviço: em Siete Granadas (2023), sete urnas de cerâmica, esmaltadas com salpicos de roxo, empilhadas uma sobre a outra, desafiam tanto o uso prático quanto a gravidade. Banhando-se ao sol do jardim está a parceira Berenjena (2023), sete elementos de cerâmica na forma de berinjelas, novamente empilhados em uma torre aparentemente precária, mas desta vez equilibrados em um bloco negro de rocha vulcânica, um elegante retorno às erupções retratadas pelos pigmentos rachados e incendiários de Varejão. Alinhados em uma prateleira de concreto no jardim próximo, como se esperando sua vez para um espetáculo acrobático semelhante, estão uma série de vasos de cerâmica sem título dos anos 1970 de Francisco Brennand, seus pescoços oferecendo uma contrapartida fálica das formas onduladas e bulbosas da obra de Verzutti.


Escritório

A extremidade do antigo escritório de Tomie é uma parede de vidro, com o verde do jardim da frente proporcionando uma barreira natural da rua. ABERTO permite que a natureza invada a arquitetura, com uma exposição de obras que lidam com flora, ecologia e ideias ontológicas sobre a natureza versus o meio ambiente. A grande pintura de Sophia Loeb, Unity sky-earth shall have (2024), uma paisagem pintada de forma tão abstrata que denuncia ideias de estranhamento ambiental ou alienação da terra, conduz o visitante para dentro do cômodo. Secret Stream (2023) de Janaina Tschape é uma representação gestual impressionante de um curso d'água, mas as pinceladas fortes e a escuridão com que ela retrata as margens do riacho elevam a vista além do bucólico, sugerindo que forças mais sinistras estão em jogo.

O mundo natural nas mãos de Fernanda Galvão é igualmente caótico e indomável, as plantas em sua obra Cacho de uma magnífica (2024) possuem uma qualidade monstruosa; um senso de perigo também sugerido em uma tela de 1996 de Luiz Zerbini, pendurada na parede oposta, na qual duas plantas carnívoras pendem de forma ameaçadora. Em sua série Janelas (2023), mais recente, Zerbini mostra que a janela, um elemento arquitetônico que data da Antiguidade, pode ser considerada o primeiro dispositivo de enquadramento, a primeira tentativa de demarcar e prescrever o mundo exterior em termos humanos. Zerbini pinta samambaias como sombras cinza de aspecto vítreo, enquadradas pela representação de molduras de janela que são pintadas de cores muito mais vibrantes (e que utilizam a mesma paleta neoplástica que Ruy Ohtake empregou em outros lugares na arquitetura da casa).

Enquanto Zerbini interroga os métodos de enquadramento da natureza, Solange Pessoa está interessada em como o mundo natural pode ser usado na própria representação. Com Verdilitas (2024), uma escultura enigmática de pedra Fuchsita e bronze, Pessoa demonstra que tudo, em última instância, vem do solo sob nossos pés, oferecendo uma lição ecológica sobre estar com o mundo, e não apenas no mundo.